Finanças Públicas

Dezembro 08 2011

Estudar os princípios e regras orçamentais:

 

a) O princípio da anualidade;

b) O princípio da plenitude;

c) O princípio do equilíbrio.

 

Princípio da anualidade


1. É a revolução inglesa de 1688-89 que torna a regra da anualidade orçamental a pedra angular do direito financeiro público. A “Declaração de Direitos” (Bill of Rights) de 13 de Fevereiro de 1689 reafirmou a necessidade de intervenção parlamentar para o assentimento dos representantes do povo de novos impostos e tributos, na sequência, aliás, da “Petição de Direitos” de 7 de Junho de 1628. Ainda que a designação “budget” apenas tenha sido adoptada no tempo de Henry Pelham como Lorde do Tesouro (1743-54), logo desde 1689 foi definido o ano como período da sessão legislativa e do limite da autorização orçamental. Em Portugal, desde 1936 (Decreto n.º 25299, de 6 de Maio) o ano orçamental coincide com o ano civil. Antes iniciava-se em 1 de Julho. No entanto, desde o Regimento dos Vedores da Fazenda de 1516 até à Carta de Lei de 22 de Dezembro de 1761, o início do ano económico coincidia com o ano civil. A partir de 1761 e até ao início do constitucionalismo, o ano financeiro começava a 10 de Janeiro. Nos primeiros orçamentos depois de 1820, verificou-se, de nvo, a coincidência entre o ano económico e o ano civil. Contudo, uma vez que as Cortes iniciaram a sessão legislativa a 1 de Dezembro, e dada a insuficiência de tempo para aprovar um orçamento que entrasse em vigor no começo do ano civil, fixou-se o dia 1 de Julho para o começo do ano económico, sistema que vigorou durante cem anos (1834-35 a 1934-35).

2. A anualidade foi consagrada nas Constituições de 1822 e 1836, na Carta Constitucional de 1826 e ainda nos textos constitucionais de 1911 e 1933. Na versão originária da Constituição da República Portuguesa, o artigo 108.º, n.º 1, referia expressamente a regra da anualidade. Sem qualquer motivo aparente, a revisão constitucional de 1982 retirou esta alusão. Todavia, mesmo na ausência de imperativo constitucional nesse sentido, continuou a entender-se que a anualidade era uma regra com consagração na constituição financeira formal – não só porque a própria ideia da periodicidade resultava da concepção do orçamento, tal como aparecia no artigo 108º da Constituição (na redacção da revisão de 1982), mas também porque se apontava implicitamente para a anualidade no artigo 93.º, alínea c) (também na redacção da revisão de 1982), quando aí se afirmava que o “(...) Plano anual tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado”. Daí, que se entendesse que a violação do artigo 2.º das Leis de Enquadramento Orçamental, posteriores a esta revisão constitucional, gerasse uma inconstitucionalidade directa, ainda que a Constituição formal não previsse expressamente a regra da anualidade.
A regra da anualidade regressou ao texto constitucional, por força da redacção do artigo 106.º, n.º 1, dada pela revisão constitucional de 1997. Desde a restauração desta regra orçamental básica, fica dissipada qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto à inconstitucionalidade directa da violação da anualidade orçamental.
3. A regra da anualidade envolve uma dupla exigência: votação anual do Orçamento pelo Parlamento e execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública. De acordo com o princípio da anualidade poderiam incluir-se no Orçamento tanto todas as receitas a cobrar efectivamente durante o ano e as despesas a realizar efectivamente, independentemente do momento em que juridicamente tenham nascido (orçamento de gerência) quanto todos os créditos e débitos originados naquele período orçamental, independentemente do momento em que se viessem a concretizar (orçamento de exercício).
O sistema de gerência tem vantagens, porquanto torna fácil e clara a execução orçamental. No entanto, dificulta a responsabilização de cada Governo pela elaboração e execução dos orçamentos que lhe são imputáveis. Ao invés, os orçamentos de exercício, se têm a vantagem de permitirem mais facilmente a responsabilização do Governo, têm uma desvantagem: num determinado ano não sabemos ao certo qual a situação de tesouraria, não sabemos ao certo quais são as despesas que têm de ser pagas durante esse ano.
No ordenamento financeiro português o sistema vigente é, desde 1930, o de gerência, devendo ainda hoje a leitura do princípio da anualidade ser feita à luz deste tipo de orçamento.
Para obviar os inconvenientes do orçamento de gerência (dificuldades na responsabilização de cada Governo, pela elaboração e execução dos orçamentos que lhe são imputáveis) o legislador previu: (1) que a elaboração do orçamento fizesse um enquadramento da perspectiva plurianual (Mapa XVII – Responsabilidades contratuais plurianuais – ver artigo 29º da LEO) e (2) que os orçamentos dos organismos do sector público administrativo integrem programas, medidas, projectos ou acções que impliquem encargos plurianuais, prevendo a depesa total de cada programa, as parcelas desses encargos relativos ao ano em causa e as despesas de cada 1 ou 2 anos seguintes com carácter indicativo. No entanto alerta-se para o facto de, mesmo quando a lei prevê a existência de mapas plurianuais, as verbas neles incluídas devem ser inscritas no OE de cada ano, sob pena de não poderem ser realizadas por falta de cabimento orçamental – 106º/1 da CRP.
Também com vista a assegurar a cobertura orçamental de despesas em orçamentos futuros, o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 197/99 dispõe ainda que o cabimento de despesas em orçamentos futuros seja assegurado por um compromisso de inscrição, assumido pelo Ministro responsável pela despesa (o da tutela) e pelo Ministro que faz o orçamento. Nestes termos, “a abertura de procedimento relativo a despesas que dêem lugar a um encargo orçamental em mais de um ano económico ou em ano que não seja o da efectiva realização (...) não pode ser efectivada sem autorização prévia dos Ministros das Finanças e da Tutela, conferida em portaria conjunta que fixará o limite máximo de encargos a pagar em cada ano económico. Tal portaria só pode ser dispensada em duas situações: quando a despesa resulte de planos plurianuais legalmente aprovados; ou quando os seus encargos não excederem o limite de 20.000 contos em cada um dos anos económicos seguintes ao da sua contracção e o prazo de execução de três anos. O Tribunal de Contas, no Acórdão n.º 6/2000 encara esta portaria ou previsão legal de despesa como um compromisso de inscrição de despesas em orçamentos futuros (ou como promessa de cumprimento do disposto no artigo 16.º da LEO), assumidos pelo Ministro responsável pela despesa (o da tutela) e pelo Ministro que faz o orçamento.
4. Cabe apurar se o período anual coincidente com o ano civil consiste na consagração de um período mínimo ou máximo de duração do orçamento.
Por um lado, o número cinco deste artigo vem prever a possibilidade de existência de um período complementar. Assim, embora em Portugal, desde 1936, o ano económico coincida com o ano civil e vigore a regra da inscrição no Orçamento dos créditos e débitos originados naquele período orçamental, independentemente do período em que se concretizam, admite-se o fecho da execução orçamental das despesas num período complementar: até 15 de Fevereiro do ano seguinte àquele a que respeita (normalmente), embora nos últimos anos, este período tenha decorrido até 21 de Janeiro. Este período tem uma duração variável e é estipulado anualmente pelo Decreto-Lei de execução orçamental. Este sistema de contabilização aproxima-se do do orçamento de exercício.
Este período complementar vem permitir sustentar que o período orçamental vai para além do ano civil – sem, no entanto, esquecer que a lei fala em possibilidade de existência de período complementar (“não prejudica a possibilidade”) e que a transparência e clareza financeira será mais facilmente alcançável pelo encurtamento do período complementar. Por outro lado, o artigo 41.º fala em prorrogação do orçamento, parecendo desvendar a possibilidade de a sua duração extravazar o período anual, nos termos do n.º 1 da disposição invocada. Mas, a partir do momento em que o nosso ordenamento vem consagrar a produção de efeitos retroactivos de todo o orçamento que tenha sido aprovado durante o ano civil já em curso (ver artigo 41.º, número seis), o extravazamento do período anual fica sem fundamento. Neste sentido, entendemos que o período anual é o período mínimo de vigência orçamental, sendo o período máximo definido pelo poder executivo através da existência ou não de período complementar.
5. A atribuição de um mandato parlamentar periódico para cobrança de receitas tributárias baseia o princípio do autoconsentimento ou da autotributação. Este autoconsentimento conferido ao sector público padece de um enorme paradoxo: por um lado, temos um mandatário/Governo monopolista que reclama para si objectivos e funções que mudam intertemporalmente, por outro, temos um mandante/Parlamento, que exige o exercício das funções que atribui de forma transparente, clara, eficiente e coerente.
Por esta análise podemos chegar mesmo a concluir que o consentimento para cobrar receitas é um contrato de mandato atípico, ponderadas as divergências quanto à sua concretização eficiente.
O conteúdo do mandato tributário move-se no campo da legalidade financeira. Analisemos então os termos do mandato no quadro português. Conforme resulta do estabelecido normativamente (quer no plano constitucional, quer no plano legal) a legalidade desdobra-se em duas vertentes: (1) a legalidade orçamentária, que prevê a necessidade da periodicidade da votação parlamentar e da execução do orçamento e (2) a legalidade fiscal, que dispõe sobre a reserva absoluta de lei quanto à matéria de criação, alteração, supressão dos impostos. A primeira representa o exercício do poder orçamental, a segunda resulta nas várias manifestações do poder tributário, ou melhor, do poder de criar impostos. Ora, enquanto que o poder orçamental é repartido pelo Parlamento (na vertente legislativa) e pelo Governo (na vertente administrativa), o poder tributário é exercido primacialmente pelo Parlamento, salvo autorização parlamentar expressa, nos limites e condicionamentos impostos constitucionalmente.
Quer isto significar que o exercício do mandato tributário no ordenamento financeiro português, não obstante ser uma das concretizações do poder orçamental, depende da definição prévia das condições estabelecidas em lei parlamentar, não só em sede orçamental, como também em sede legislativa que autonomamente proceda a uma alteração do sistema fiscal vigente. Ou seja, o exercício do mandato tributário depende da existência prévia de duas condições, a saber:
a)  a existência periódica de uma autorização para cobrança de receitas tributárias;
b) a delimitação da intervenção administrativa constante das normas que compõem o sistema fiscal em vigor (i.e. os Códigos fiscais propriamente ditos e respectivos diplomas que regulam o procedimento e processos adequados à concretização do poder em causa).


Princípio da plenitude

 

1. Estamos perante a plenitude orçamental, comportando que o orçamento deve ser único (princípio da unidade) e que todas as receitas e todas as despesas devem ser inscritas nesse instrumento financeiro (princípio da universalidade). A unidade começou a ser praticada a partir de 1893 em Portugal e está consagrada constitucionalmente no artigo 105.º, n.º 3. A universalidade está implicitamente prevista nos n.ºs 1 e 3 do artigo 105.º da Constituição e engloba a necessidade de o orçamento ser claro e não uma espécie de logogrifo. Da universalidade resulta a chamada transparência e clareza financeira, como condição essencial de uma fiscalização orçamental eficaz, por parte dos órgãos competentes.

2. Ao prever a existência de “um só orçamento e tudo no orçamento” pretende-se evitar a existência de massas de receitas e despesas que escapem à autorização parlamentar e ao controlo orçamental. Nestes termos, a regra da plenitude tem sido entendida como imposição de aprovação de orçamentos que permitam aos serviços e organismos administrativos tomar conhecimento das receitas que podem cobrar e das despesas que podem realizar. Para que o referido conhecimento seja cabal, exige-se mesmo no n.º 3 que   “o total das responsabilidades financeiras resultantes de despesas de capital assumidas por via de compromissos plurianuais, decorrentes da realização de investimentos com recurso a operações financeiras cuja natureza impeça a contabilização directa do respectivo montante total no ano em que os investimentos são realizados ou os bens em causa postos à disposição do Estado” conste dos Orçamento do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais.
Note-se, porém, que o Tribunal Constitucional entende que os princípios constitucionais da universalidade e da unidade não proíbem que as receitas e despesas dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos, aprovados pelo Governo, sejam previamente deduzidos dos grandes tópicos orçamentais, porventura parlamentarmente prefixados aquando da aprovação do Orçamento do Estado.
3. A regra da plenitude, no que toca ao Orçamento do Estado, tem uma abrangência limitada. Concretizando, esta regra não abrange:
(a) as operações de tesouraria – v., neste sentido, a não pronúncia de inconstitucionalidade do artigo 4.º, n.ºs 3, 4 e 5 da Lei n.º 2/88 por parte do Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/88), chamando-se, porém, a atenção para que no mesmo Acórdão se considerou violadora da universalidade a omissão orçamental de uma despesa – que não de simples Tesouraria – coberta por operações do Tesouro: v. no mesmo Acórdão, a parte em que pronuncia pela inconstitucionalidade do artigo 20.º, n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 2/88, por violação da regra da universalidade, por entender que a operação aí prevista não se conexionava exclusivamente com a gestão do património de tesouraria do Estado);
(b) a gestão patrimonial do Estado; e
(c) os fenómenos de independência orçamental (Regiões Autónomas, Autarquias Locais, Sector Público Empresarial, Associações Públicas, Fundações Públicas). Note-se, porém, que esta exclusão, pelo menos em relação às Regiões Autónomas e às Autarquias Locais se faz apenas no sentido de estas poderem ter os seus próprios orçamentos e não no intuito de as eximir à apresentação de todas as suas receitas e despesas num só orçamento, já que isso contrariaria não só os artigos 1.º e 2.º da LEO mas também os n.ºs 2 e 3 do preceito ora em análise.
Assim, a plenitude orçamental, no que toca ao Orçamento do Estado, só se aplica às receitas e despesas dos serviços integrados, serviços e fundos autónomos e segurança social: só elas têm de constar de um único orçamento (o Orçamento do Estado) e de estar todas nesse mesmo orçamento.
4. As desvantagens advenientes da abrangência limitada da regra da plenitude orçamental têm vindo a ser obviadas (pelo menos para o SPA). Por um lado, exige se que o Governo faça acompanhar a proposta orçamental de elementos informativos relativos à estimativa do orçamento consolidado do sector público administrativo, na óptica da contabilidade pública e na óptica da contabilidade nacional (artigo 37.º, n.º 1, alínea d)). Por outro,  adstringe se o Governo à elaboração de contas consolidadas, a integrar na Conta do Estado (artigos 59.º, 75.º, 81.º da LEO). Assim, tanto no momento da previsão como no do controlo (sucessivo ou concomitante), consegue vislumbrar-se o saldo total dos gastos de todo o sector público administrativo. É que a separação de cada um destes orçamentos e contas “dificulta (...) uma análise de conjunto do SPA [sector público administrativo] em Portugal”.

 

Princípio do equilíbrio

 

1. O equilíbrio orçamental é a mais importante das regras orçamentais clássicas, mas também a mais discutida e controversa. O princípio do equilíbrio orçamental resulta de imperativo constitucional, constante do artigo 105.º, n.º 4, embora esteja aí previsto apenas em sentido formal - uma vez que se está pensar tão-só numa situação contabilística de igualdade entre receitas e despesas.
2. O princípio do equilíbrio foi introduzido no séc. XIX do ponto de vista formal, contabilístico (financeiro). Mas só depois da 1ª Guerra Mundial é que as doutrinas intervencionistas depuraram o seu sentido para transformá-lo em princípio económico (substancial).
O equilíbrio pode ser encarado de duas perspectivas:
(I) Equilíbrio formal – que postula a estrita igualdade entre as receitas e as despesas, o que traduz a interdição dos défices e excedentes de receita.
A interdição dos défices pressupõe que nunca a totalidade das despesas exceda a totalidade das receitas (tributárias, patrimoniais). Caso assim sucedesse, os referidos défices só poderiam ser financiados pelo recurso ao empréstimo, o que viria agravar as dificuldades financeiras do Estado ou pela criação de um imposto suplementar (na realidade, o empréstimo é um imposto diferido e agravado, que no extremo pode conduzir o Estado à bancarrota) ou pelas manipulações monetárias – as despesas públicas vêm agravar um mal, que é a inflação, que conduz à desvalorização da moeda nacional.
A interdição dos excedentes é mais difícil de compreender já que o aumento das receitas, poderia, em teoria, contribuir para o aumento da poupança estadual. Para o compreender é preciso recordar que o equilíbrio formal foi pensado para o Estado liberal, no qual havia que garantir a intervenção mínima do Estado, por um lado, e que os impostos apenas seriam criados de acordo com a sua indispensabilidade, por outro. Para além disso, considerava-se que o excedente de receita de hoje é o défice de amanhã, porque o excedente de receitas permite a perduração das receitas.
O conceito de equilíbrio formal foi sendo abandonado quando a unidade orçamental sofreu algumas inflexões e em virtude do consequente aumento da intervenção do Estado, fundamentalmente após a 2ª Grande Guerra.
(II) Equilíbrio substancial – baseia-se nas teorias do défice sistemático e dos orçamentos cíclicos.

A teoria do défice sistemático foi defendida por William Beveridge em 1944, baseando-se no facto de o desemprego ser um mal social que não desaparece espontaneamente. Para a teoria dos défices sistemáticos funcionar é preciso o Estado saber com rigor qual a situação conjuntural da economia  e qual a eficácia dos estabilizadores - porque estão em causa as expectativas dos sujeitos económicos que as políticas do Estado procuram condicionar, revertendo o clássico jogo da oferta e da procura.
A teoria dos orçamentos cíclicos foi elaborada por SCHUMPETER e PERROUX. Segundo a mesma, as receitas aumentam em períodos expansionistas (em período de vacas gordas), e receitas diminuem em períodos de recessão (em período de vacas magras).
Quais são, em concreto, os critérios de equilíbrio substancial?
(a) De acordo com o critério clássico, distinguem-se as receitas normais (patrimoniais e tributárias) das não normais (creditícias). Só se verificaria, à luz deste critério, a existência do equilíbrio orçamental quando as receitas normais cobrissem todas as despesas. Nesse sentido, o défice orçamental só seria admissível, para os financeiros clássicos, no caso de sobrevivência nacional (guerra ou calamidade pública), enquanto nas restantes situações difíceis seria preferível o agravamento de impostos ao agravamento de empréstimos. Sendo assim, os empréstimos apenas teriam como função o financiamento de bens reprodutivos ou duradouros. Este critério suscitou algumas dificuldades práticas, na medida em que se começou a questionar a proibição do recurso ao empréstimo em relação aos bens duradouros. É que a ser contraído, mesmo que para a aquisição de bens reprodutivos, este estaria na base de uma permanente situação de desequilíbrio.
(b) De acordo com o critério do orçamento ordinário, haveria equilíbrio quando as despesas ordinárias fossem cobertas pelas receitas ordinárias, e as despesas extraordinárias cobertas pelo excedente das receitas ordinárias e receitas extraordinárias. No entanto, este critério suscitou sempre alguma subjectividade quanto à distinção entre verbas ordinárias e extraordinárias. Para uns, estava em causa a repetição qualitativa das receitas nos vários orçamentos, para outros, enquanto a receita/despesa tinha natureza ordinária, porquanto a sua prestação de utilidade esgotava-se no período anual, a receita/despesa adquiria natureza extraordinária, porquanto a sua prestação de utilidade se prolongava no tempo. A propósito deste critério, havia ainda quem distinguisse as despesas certas/ordinárias e variáveis/extraordinárias, consoante o montante sofresse ou não variações.
(c) De acordo com o critério do activo patrimonial do Estado, estabelece-se a distinção entre o orçamento corrente e o orçamento de capital. Conceptualmente, enquanto as Receitas/Despesas de capital alteram a situação activa ou passiva do património do Estado, as Receitas/Despesas correntes não oneram nem aumentam o valor do património duradouro do Estado. Para haver equilíbrio, as despesas correntes têm de ser cobertas pelas receitas correntes, enquanto que as despesas de capital são cobertas pelas receitas de capital ou pelo excedente das correntes. O desequilíbrio depende, neste caso, da cobertura das despesas correntes pelas receitas de capital.
(d) Este critério enunciado distingue-se do critério do activo de tesouraria, que tem por base a distinção entre verbas efectivas e não efectivas. Conceptualmente, as verbas efectivas representam uma efectiva diminuição do património monetário do Estado. Quando estamos perante uma verba não efectiva, embora haja uma alteração do património de tesouraria, esta provoca no mesmo um acréscimo/diminuição idêntica. Por exemplo, o pagamento de impostos é uma receita efectiva. Por seu lado, a contracção de empréstimos é, no entanto, uma receita não efectiva, porque implica uma inscrição do lado das despesas dos anos seguintes, como amortização de empréstimos, para além dos juros, que são encargos correntes da dívida pública.
Para haver equilíbrio segundo este critério (activo de tesouraria), as despesas efectivas só podem ser financiadas por receitas efectivas, ao passo que as despesas não efectivas podem ser financiadas por receitas efectivas e por receitas não efectivas (aquelas em que a redução do património monetário seja compensada por uma liberação de posições passivas). Sendo assim, o recurso a um empréstimo só serve para amortizar outro empréstimo, isto é, défices dos anos anteriores e nunca o défice do ano orçamental em causa. Isto quer significar que o recurso a um empréstimo para outros fins (compra de um imóvel) vem reduzir o património monetário do Estado. O critério do activo de tesouraria tem duas vertentes: (a) a do saldo total, na qual as receitas efectivas devem ser iguais ou superiores às despesas efectivas. Este critério inclui as necessidades de financiamento e cumula com os encargos da dívida pública; (b) a do saldo primário: reporta-se apenas às necessidades líquidas de financiamento, excluindo os encargos correntes da dívida pública.
Em qualquer dos critérios apontados o legislador propõe-se delimitar o âmbito da seguinte fórmula de actuação do Estado: em que condições se pode recorrer a empréstimos sem violar o equilíbrio?
Todos eles dão respostas diferentes: (a) de acordo com uma visão estática, o critério do orçamento ordinário e do orçamento de capital permite que as despesas de defesa e de segurança possam ser financiados por recursos extraordinários (receitas de capital, incluindo os passivos financeiros); (b) de acordo com uma visão dinâmica, o critério clássico e do activo de tesouraria relacionam o orçamento com os efeitos económicos das várias operações.
3. A fórmula utilizada no artigo 9.º, ora em análise, (“prevêem as receitas necessárias para cobrir todas as despesas”) parece, à primeira vista, consagrar a regra do equilíbrio formal, na esteira do artigo 105.º, n.º 4, da Constituição, já referido, e do artigo 4.º, n.º 1 das anteriores leis de enquadramento orçamental. No entanto, o estudo mais aprofundado do mesmo, leva-nos a retirar da sua letra mais do que um mero imperativo de equilíbrio formal. Com efeito, parece-nos que o legislador, ao estender a aplicação deste preceito a todas as entidades do sector público administrativo (Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais) e ao definir as condições orçamentais mínimas a observar por todas essas entidades para o cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal perante as comunidades europeias, vai mais longe. Ou seja, o legislador ao prescrever, por um lado, a observância do equilíbrio global dos orçamentos do sector público administrativo, sem prejuízo dos critérios estabelecidos nos artigos 23.º, 25.º e 28.º e, por outro, o respeito pelos limites ao endividamento das Regiões Autónomas; e a utilização da cláusula de salvaguarda prevista no n.º 3, em caso de incumprimento dos referidos limites de endividamento, é clara. Ele não se limita a prescrever um mero equilíbrio formal, mas um equilíbrio substancial, tal como resulta do pacto de estabilidade e crescimento numa óptica de contabilidade nacional.
De facto, parece-nos, pela leitura dos trabalhos preparatórios que o que o artigo 9.º pretende é assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal. E se assim é, não poderá deixar de se entender que o equilíbrio a que aí se faz referência é um equilíbrio substancial que se traduzirá no respeito pelos critérios de convergência relativos ao défice e ao endividamento público, por forma a dar cumprimento à proibição de défices excessivos constante do artigo 104.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Ou seja, para que os orçamentos do sector público administrativo se encontrem equilibrados, para efeitos do artigo 9.º da LEO, têm de respeitar os critérios de convergência, por forma a que o Conselho não declare verificada a existência de um défice excessivo (artigo 104.º, n.º 6, do Tratado que institui a Comunidade Europeia e artigo 2.º do Protocolo relativo aos critérios de convergência a que se refere o artigo 121.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia).
A favor desta conclusão, note-se que a alínea d) do n.º 1 do artigo 37.º exige que a proposta de lei do Orçamento do Estado seja acompanhada por uma estimativa do orçamento consolidado do sector público, tanto na óptica da contabilidade pública como na óptica da contabilidade nacional.
Note-se, porém, que apesar de este preceito exigir que o sector público administrativo apresente um equilíbrio global, calculado de acordo com as regras da contabilidade nacional, faz uma ressalva: o Orçamento do Estado (portanto o conjunto dos serviços integrados, fundos e serviços autónomos e segurança social) considerar-se-á equilibrado desde que haja equilíbrio de acordo com as regras dos artigos 23.º, 25.º e 28.º da LEO. O sentido desta ressalva, constante da última parte do n.º 1, é o que resulta da prática seguida de elaborar o Orçamento do Estado na óptica da contabilidade pública, tendo lugar, posteriormente, uma “conversão” para contabilidade nacional para efeitos de envio às instituições comunitárias.
Esta interpretação suscita a questão de saber que orçamentos podem ser deficitários e quais devem ser excedentários para se verificar esta regra de equilíbrio global, ou seja, suscita a questão de saber como se devem fazer os “acertos de contas” para haver saldo nulo ou positivo. Embora não tenha dado, de início, uma resposta cabal à mesma, o legislador tem vindo a oferecer cada vez mais soluções para este problema:
(a) no Orçamento do Estado, o  legislador, no artigo 25.º, exige que a permissão do défice do orçamento dos serviços integrados fique dependente da situação da execução orçamental do sector público;
(b) no artigo 87.º, prevêem-se limites ao endividamento da administração central, das Regiões Autónomas e das autarquias locais;
(c) nos artigos 9.º, n.º 3, e 92.º, n.º 4, prevê-se a redução das transferências para as Regiões Autónomas e Autarquias Locais, no caso de incumprimento dos limites de endividamento, por forma a que não ser o Estado, unilateralmente, a ter de se conformar com as opções financeiras infra-estaduais.

 

publicado por GWOM às 22:37

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Homenagem

Ao iniciar a leccionação de finanças públicas a equipa faz questão de prestar respeitosas e sentidas homenagens à memória do Professor António Sousa Franco, cujo ensino dominou o panorama das finanças públicas ao longo das últimas décadas. Homenageamos, ainda, os professores que o antecederam, Paulo de Pitta e Cunha, Soares Martinez, Fernando Emydgio da Silva e Nuno Lumbralles.